Resumo:

Aclasse de trabalhadoras domésticas teve sua origem marcada pela discriminação e violência social. Assim, este ensaio tem como objetivo analisar o conceito de trabalho doméstico no Brasil a partir da evolução histórica da profissão. O modelo teórico aqui apresentado, debate como as origens dessas relações de trabalho moldaram o pensamento da sociedade sobre ela e influenciaram no seu reconhecimento. A relação teórico-empírica realizada baseia-se em dados de gênero e trabalho no Brasil, refletindo em especial, a realidade trabalhista das domésticas. Para tanto, reforçase o argumento que o processo histórico de desigualdade, escravidão e desvalorização do trabalho feminino possui fortes influências no contexto contemporâneo de discriminação de gênero.

Abstract:

The domestic workers class had its origin marked by discrimination and social violence. Thus, this essay aims to analyze the concept of domestic work in Brazil from the historical evolution of the profession. The theoretical model presented here discusses how the origins of these labor relations shaped society’s thinking about it and influenced its recognition. The theoretical-empirical relationship carried out is based on gender and work data in Brazil, reflecting, the work reality of housemaids. To this end, the argument is reinforced that the historical process of inequality, slavery and devaluation of women’s work has strong influences in the contemporary context of gender distribution.

Palavras-chave:
    • escravidão;
    • empregada doméstica;
    • desvalorização;
    • mercado de trabalho;
    • desigualdade.
Keywords:
    • slavery;
    • housekeeper;
    • devaluation;
    • labor market;
    • inequality.

O trabalho doméstico é uma ocupação majoritariamente feminina sendo a porta de entrada do mercado de trabalho para muitas mulheres em situação de vulnerabilidade social. É uma atividade laboral que muitas vezes não é reconhecida por ser considerada também um afazer cotidiano das famílias, e nesse caso também atribuída às mulheres a responsabilidade sobre ele. Da mesma forma que é menosprezado, subvalorizado, acaba sendo a única oportunidade para pessoas com baixa escolaridade ou, como mencionado, em situação de vulnerabilidade (Costa et al, 2004; Nogueira, 2017).

Pinheiro et al. (2019), apontam que apesar das mulheres serem vinculadas a ideias de que “o lugar da mulher é onde ela quiser” e isso circular com mais facilidade entre a sociedade e os veículos midiáticos atualmente, ainda vivenciamos constante desigualdade em relação ao gênero, existindo barreiras que limitam por um lado a participação de mulheres em determinadas esferas, e delimitam a sua saída de outras, como no caso do trabalho doméstico.

A profissão de empregado (a) doméstico (a) demorou para ser reconhecida e teve sua trajetória marcada pela falta de regulamentação e direitos trabalhistas, apesar de ter um papel fundamental na economia e sociedade. Por muito tempo foi uma das profissões com maiores carências de direitos trabalhistas, o que ocorreu em função das desigualdades organizacionais, sociais, de raça e gênero, e porque esse trabalho tem uma relação com o trabalho escravo, como será descrito na sequência (Santos, 2010).

Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2010) apontam que um dos trabalhos mais “invisíveis” da sociedade é o trabalho doméstico. Mesmo com a Lei nº 11.324, de 2006, que regulamenta a profissão, as profissionais1 seguem atuando em meio a situações de precariedade, com desvalorização do trabalho e salarial. Muitas vezes considera-das invisíveis e atuando constantemente na informalidade (OIT, 2010).

Conforme dados disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), por meio de sua Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) no primeiro trimestre de 2019 foi estimado 6,2 milhões de pessoas exercendo a função de trabalhadores domésticos, sendo destas 4,5 milhões (94,1%) mulheres, em contrapartida dados do primeiro trimestre de 2022 apontam que houve uma queda nesse número onde constam 5,6 milhões de pessoas exercendo essa ocupação (IBGE, 2019; IBGE, 2022).

O trabalho doméstico é definido como o trabalho realizado por uma pessoa que não seja do âmbito familiar e que receba remuneração pelos serviços prestados os quais compreende as funções de: serviços de limpeza, arrumação, cuidado com crianças, idosos, animais, fazer as refeições, entre outras atividades que podem ser ilimitadas e de preferência do empregador (OIT, 2010). Essa profissão caracteriza-se como uma das mais antigas e importantes funções, a qual tem sua origem entrelaçada com escravidão, com o colonialismo e qualquer espécie de servidão, o que atribuiu para essa relação de trabalho sua desvalorização e sobreposição especialmente as mulheres (Ribeiro Filho; Ribeiro, 2016).

Percebe-se que a história do trabalho doméstico é marcada pela segregação e violência social. Desta maneira busca-se expor como surgiu o conceito “empregada doméstica” o qual deu origem a estas relações de trabalho peculiar com uma influência ne-gativa na evolução de uma legislação justa e igualitária referente as outras profissões (Nogueira, 2017). Nesse sentido, o objetivo desse ensaio é analisar o conceito de trabalho doméstico no Brasil a partir da evolução histórica da profissão. Conforme Pinheiro et al. (2021), no XXI, esta profissão ainda ocupa a posição de uma das mais vulneráveis e produtoras de desigualdades.

A origem e história do trabalho doméstico no Brasil

A história do trabalho doméstico no Brasil iniciou com a chegada dos escravos africanos nas terras coloniais. A mão de obra no Brasil colônia era escrava, importada do continente Africano.2 No fim da idade média surgiu a criadagem, quando foi quebrada a rigidez de senhor-escravo, devido os criados passarem mais tempo com aqueles que exerciam o poder da família. Nesse sentido, as então escravas estavam se incumbindo de outras funções além dos ofícios domésticos, como ama de leite das crianças dos burgueses, assim frequentando suas residências para amamentálos, e com o tempo, muitas começaram a morar com as famílias dos bebês (Santos, 2015).

Conforme Santos (2015), ao surgir os primeiros obstáculos referentes a escravidão no Brasil, as famílias mais abastadas passaram a aumentar seus números de criados para servirem seus lares como babas, amas de leite e acompanhantes, nesse cenário mucamas e camareiras passaram a ser indispensáveis nas residências dessas famílias. Nesse sentido, no Brasil ao longo do século XIX, era esperado que as mulheres se incumbissem dos cuidados com a casa e as crianças, no entanto, como já exposto, nas residências das famílias de mais poses esses serviços eram encargos prestados por uma criada, o qual era comum-ser de feitio escravo afazeres domésticos como cuidar das roupas, da casa e cozinhar (Monteleone, 2019).

Silva et al. (2017), afirma que a partir da segunda metade do século XIX, começou o movimento abolicionista, dessa forma, em 1850, através da Lei Eusébio de Queirós, foi extinto o tráfico de escravos. No Brasil em 28 de setembro em 1871 foi promulgada a Lei do Ventre Livre, a qual tornava livre3 os filhos de escravos nascidos após a data, posteriormente em 1885 foi promulgada a Lei Saraiva - Lei dos Sexage-nários - a qual tinha função de tornar livres os negros que tivessem idade igual ou superior a 65 anos.

Em 1888, a princesa imperial regente, sob forte pressão externa e dos movimentos intelectuais e abolicionistas internos, assina a Lei Aurea, Lei nº 3.353 de 13 de maio, que declara extinta a escravidão no Brasil. Com a abolição da escravatura os antigos escravos tiveram que procurar meios de sobrevivência, um modo de trabalhar. Sem muitas opções de serviço, os escravos agora libertos foram mantidos nas casas de seus antigos senhores, transformando o escravista em empregador. Devido a insuficiência de recursos e falta de clareza desses recém libertos, seu novo empregador aproveitou-se de seus serviços do-mésticos em troca de alimentação e moradia (Júnior; Rovigati, 2017).

Nesse sentido, Silva et al. (2017), reforçam que os antigos escravos, apesar da Lei Aurea permaneciam com seus senhores sem receber salários, já que não tinham onde se refugiar, nem para onde ir. Por um longo período foi como se eles continuassem a exercer suas funções de antes da abolição, debido á falta de oportunidade de empregos dignos e meios para sua sobrevivência.

Ainda no século XIX após a abolição da escravatura, artigos médicos estavam associando a contaminação de doenças a empregadas domésticas, e seus hábitos. O que fez com que as mulheres de classe alta em grande parte voltassem para suas atividades de cuidado com a casa e crianças. Dessa forma, fazendo com que essas mulheres se prendessem ao âmbito privado dentro de suas residências deixado o âmbito público de encargo dos homens. Assim, a propagação do contágio dessas doenças fez com que os homens mantivessem o controle de suas esposas com o retorno dos afazeres domésticos e consequentemente abrindo margem para controlar os corpos das empregadas domésticas que continuassem em seus afazeres, assim, cuidando seus hábitos, seus utensílios utilizados e fazendo com que usassem uniformes padronizados (Santos, 2010).

Conforme Santos (2010), ao longo dos séculos XIX até o século atual (XXI), foram deixados muitos resquícios ideológicos, patriarcais e racistas referentes ao trabalho doméstico ser de origem escrava, assim, trazendo como consequência na contempo-raneidade a sociedade formular um perfil imaginário para essa função, o da mulher negra. O modelo de escravidão deste século não adota as mesmas práticas do passado, porém, isso não quer dizer que não seja cruel, configurando o trabalho doméstico no Brasil como abusivo.

Segundo Pinheiro et al. (2019), a história do trabalho doméstico foi marcada por migrações de jovens de cidades do interior, indo morar nas residências de famílias nas cidades grandes que as acolhiam para trabalhar. Nesse cenário, era frequente ocorrer práticas de exploração, devido a não separação da casa e do meio de trabalho. Assim, favorecendo a existência de longas jornadas de serviços prestados, de assédios, até mesmos sexuais. No ano de 2018, essa realidade havia se alterado, menos de 1% das trabalhadoras, aproximadamente 46 mil mulheres, re-sidiam no mesmo domicílio em que trabalhavam nas grandes regiões do Brasil (Pinheiro et al., 2019). Os autores apontam ainda a interseção de três características da nossa sociedade exercida perante a relevância do trabalho doméstico na atualidade:

i) as heranças escravocratas de um passado muito recente no qual cabia à população negra o lugar da servidão, e às mulheres negras também a servidão no espaço da casa, ainda que não somente; ii) nossa formação enquanto uma sociedade tradicionalmente patriarcal; e iii) a expressiva desigualdade de renda que permite que trabalhadores assalariados contratem e remunerem com seus salários outros trabalhadores (Pinheiro et al 2019, p.8).

Corroborando com o exposto, de acordo com Lima (2018), o trabalho doméstico se consolidou ao longo dos anos como o lugar típico das mulheres, assim, muitas continuam nos seus afazeres e recebendo pouco pelo que trabalham, aos olhos das sociedades elas se encontram no setor mais desqualificados do mercado. Nesse sentido, a sociedade atual ainda condiciona as trabalhadoras domésticas a realidade do período da abolição da escravatura, deixando-as em último lugar na escala social.

Trabalho doméstico no Brasil na contemporaneida-de

O modelo servil contemporâneo traz muitas carac-terísticas dos tempos de escravidão, como o não reconhecimento da trabalhadora como profissional, a sua proibição do uso dos utensílios da casa, ficando restrita apensas ao seu uso em momentos de limpeza, onde seu quarto se localizar longe das demais comodidades, remetendo ao passado, as mulheres escravas que passavam o dia na casa grande e a noite dormiam na senzala. Dessa maneira, o quarto da empregada mantém a relação com o trabalho servil, pois geralmente são sem espaços adequados para comodidade ou sem ventilação necessária, são cômodos que pode-riam simplesmente virar um deposito se elas não se encontrassem usufruindo deles (Santos, 2010).

No ano 2020, o trabalho doméstico ainda se restringia a principal função de contratação de pessoas, principalmente mulheres negras de baixa ren-da e com pouca escolaridade, no sentido de homens continuarem se desresponsabilizando dessas tarefas e para que outras mulheres, com maiores recursos consigam amenizar sua sobrecarga com esses serviços (Pinheiro et al., 2020).

Essas trabalhadoras encontram-se na maior parte das residências dos brasileiros, alcançando um número de três para cada grupo de 100 pessoas. Mesmo assim, não há indícios de empatia e reconhecimento pelos seus serviços prestados, ainda são marcadas pela invisibilidade e mantém características predominantes que corroboram com isso, como: baixa remuneração, jornadas extensas de serviço e trabalho informal (Silva et al., 2021).

Nesse sentido, resquícios do período de escravidão ainda são vistos nas residências brasileiras, onde muitas trabalhadoras domésticas são contratadas informalmente, sem a remuneração mínima prevista pela lei, sem carteira de trabalho assinada para serem expostas a condições precárias. Os diretos legais dos trabalhadores domésticos foram reconhecidos a poucos anos, o que não corrobora para o seu devido reconhecimento social como classe trabalhadora (Júnior; Rovigati, 2017)

Nogueira (2017), destaca que quase trezentos anos de escravidão deixaram sobre as domésticas um enorme fardo simbólico, que mesmo após a esse período ter passado seu trabalho não é valorizado nem reconhecido, sendo associado atualmente a subordinação e obrigação de tais tarefas propostas. Foi com a Constituição Federal de 1988, em seu art. 7º que os direitos trabalhistas domésticos foram reconhecidos, em seus incisos IV, VI, VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV, garantindo salário-mínimo, decimo terceiro, licença maternidade/paternidade, aviso prévio, aposentadoria. O que foi uma vitória para, as trabalhadoras do lar comparado com seus direitos assegurados até então, no entanto ainda foi reafirmada a exclusão com essa classe de trabalhadoras no parágrafo único deste artigo, onde constava que as domésticas não gozariam de todos os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais.

No ano de 2006, com a Lei nº 11.324 decretada no dia 19 de julho que foram incorporados direitos e garantias institucionais para essa classe de trabalhadoras4 como: direito a férias de 30 anualmente dias e remuneradas, direito a feriados, foi proibido o desconto do salário com vestuário e moradia, proteção contra a dispensa por justa causa por conta de gravidez até cinco messes após o parto. No entanto, mesmo com seus direitos assegurados há mais de uma década a classe de trabalhadores domésticos ainda se destaca pelo trabalho informal, encontra-se na maioria sem carteira assinada, independente do sexo e gênero. Nesse sentido, a tabela 01, a seguir, apresenta a situação dos trabalhadores domésticos de 18 anos ou mais sobre a posse ou não de carteira assinada no Brasil, tomando 2018 como ano de referência.

Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) em 2018, apontavam aproximadamente 6 milhões de homens e mulheres exercendo o trabalho doméstico com 18 anos ou mais. Dessa totalidade 70,1% não possuem carteira assinada, sendo mais da metade da classe de trabalhadores (Pinheiro et al., 2020). Outro dado que chama a atenção na tabela acima é referente ao número de mulheres negras e homens negros ainda se sobressai comparados com as mulheres brancas e homens brancos nessa profissão.

Percebe-se ao longo deste ensaio que o trabalho doméstico foi historicamente associado ao processo de escravidão e de exploração das pessoas negras, consequentemente impedindo de desenvolver uma legislação justa que amparasse essa classe de trabalhadores, pois é fortemente marcada pela desigualdade social (Ávila; Ferreira, 2020).

É pertinente apontar que a pandemia de Co-vid-19, decretada em março de 2020 foi outro fator que contribui para amplificar as desigualdades vividas pelas empregadas domésticas (Soares; Bouth, 2022). A pandemia afetou muito mais as pessoas que vivem na pobreza do que os ricos. Os impactos foram mais graves sobre mulheres, negras e negros, afrodescendentes, povos indígenas e comunidades historicamente marginalizadas e oprimidas em todo o mundo. Resultados de pesquisas mostram os lugares em maior risco ou vulnerabilidade frente à pandemia e, principalmente, que as desigualdades socioespaciais têm relação direta com a difusão e a letalidade da Covid-19 (Albuquerque; Ribeiro, 2020).

Uma das primeiras mortes por Covid-19 no Brasil, e a primeira do Estado do Rio de Janeiro, foi de uma empregada doméstica, que pegou a doença da patroa que veio do exterior (a patroa não morreu). Foi em março de 2020, mulher de 63 anos - empregada doméstica. A patroa branca do bairro Leblon/RJ trouxe o vírus da Itália, embora sabendo das suspeitas da doença, manteve a trabalhadora na sua jornada normal (Santos, 2021; Soares; Bouth, 2022). Outro caso de violência contra essa classe de trabalhadoras foi referente a posição tomada pelo prefeito da cidade de Belém- PA, Coutinho (Partido da Social-Democracia Brasileira-PSDB), onde classificou o trabalho doméstico como essencial durante a pandemia, ignorando os ambientes que essas trabalhadoras poderiam ser expostas (Santos, 2021).

Situação laboral das empregadas domésticas
COM CARTEIRA SIM CARTEIRA TOTAL
Homens Negros 119.980 180.706 300.686
Brancos 82.340 95.724 178.064
Total 202.320 276.430 478.750
Mulheres Negras 1,071.496 2,787.614 3,859.110
Brancas 571.970 1,272.360 1,844.330
Total 1,643.466 4,059.974 5,703.440
Total Negros 1,191.476 2,968.320 4,159.796
Blancos 654.310 1,368.084 2,022.394
Total 1,845.786 4,336.404 6,182.190

Fonte. Pinheiro et al. 2020, com base em PNAD Contínua/IBGE.

Torna-se pertinente também mencionar o caso da morte do Miguel, filho de uma empregada doméstica, que caiu do nono andar do prédio onde a mãe prestava serviços, ao ser deixado com a patroa, enquanto a trabalhadora passeava com o cachorro da família. (Santos, 2021). Dessa forma, ser empregada doméstica no século XXI, está fortemente entrelaçado com a escravidão, o que contribui para essa profissão ser uma extensão da época da servidão, ligada com a desigualdade social, sem reconhecimento pelos seus serviços prestados, vigorosamente na informalidade. Ou seja, o conceito empregado doméstico surgiu para substituir o conceito de escravidão, pois os dois são muito semelhantes. Nesse sentido, pode se dizer que o papel das escravas foi substituído pela profissão de empregada doméstica.

Conclusão

O presente ensaio se propôs a analisar o conceito de trabalho doméstico no Brasil a partir da evolução da profissão e identificar como ocorreu o surgimento desta profissão. Para isso expos a origem e a história do trabalho doméstico no Brasil, e como ele acontece atualmente. Dessa forma, o que se buscou explicar é onde surgiu o conceito empregada doméstica e com o que ele está relacionado. Assim, percebendo que a origem do conceito está no período do Brasil colônia, em especial remonta a época da escravidão com os serviçais, amas-de-leite, mucamas, aquelas que mantinham o cuidado da residência para seus senhores.

Acrescenta-se que após o período da escravidão foram os escravos “libertos” que deram origem ao trabalho doméstico remunerado, pois continuaram exercendo as mesmas funções. Nesse sentido, a classe de trabalho ficou marcada pela desigualdade social, assim dificultando a sua aceitação na sociedade, o que resultou em um processo muito longo para uma constituição justa que abrangesse todos os direitos que esses trabalhadores merecem.

Assim destaca-se também, que apesar de seus direitos reconhecidos por lei, a classe de trabalhadores domésticos é lembrada pela informalidade, pois ainda atualmente não tem o devido reconhecimento. Dessa maneira, a importância deste ensaio se dá pelo fato de discutir as relações de trabalho que são de fundamental importância na nossa sociedade e não tem o reconhecimento, a devida remuneração pelos serviços prestados, tão poucos a lei atendida.

Outro ponto a ser considerado é referente a marginalização e a falta de reconhecimento da profissão de empregada domésticas na pandemia de Covid-19, ficando visível ser uma profissão essencial para o dia a dia, mesmo assim não ganhando o reconhecimento necessário, fazendo com que o cenário de desigualdades aumentasse e resultasse até na morte por irresponsabilidades e falta de precações.

Por fim, como sugestão de estudos futuros, os argumentos aqui formulados podem servirem para uma pesquisa empírica, por exemplo, com coleta de dados primários, entrevistas, análise de discursos, entre outros, na tentativa de entender por que mesmo após seus direitos assegurados por lei essa classe de trabalhadores continua majoritariamente na informalidade.

Notas de rodapé:
  • 1

    Por ser uma profissão majoritariamente feminina as autoras tomaram a liberdade de referir-se aos profissionais atuantes no ambiente doméstico, como as profissionais ou as empregadas domésticas.

  • 2

    Muito embora as atividades, de forma geral estivessem ligadas a agricultura, (ciclos do açúcar, mineração e café) e não houves-se divisão das tarefas, havia a preferência por homens (FURTADO, 1995O. As mulheres eram trazidas em menor número, ainda que não houvesse especialização do trabalho e que na África a agricultura fosse desenvolvida pelas mulheres, elas valiam menos, ou seja, seu preço de venda era cerca de 50% inferior ao preço de escravos homens.

  • 3

    A Lei do Ventre Livre estabeleceu que os filhos permaneceriam junto da mãe escravizada, vivendo no cativeiro, até os oito anos de idade. Dos oito aos 21 anos, continuariam na propriedade do senhor ou sob a tutela do Estado.

  • 4

    A Lei 11.324 de 19 de julho de 2006 trouxe novos beneficios aos empregados domésticos, foi incorporada no mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, acabando com antigas discussões, para conceder aos empregados domésticos direitos que reivindicavam durante muito tempo.

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