O presente trabalho visa a analisar o atual cenário político da América Latina e como o multilateralismo e a Cooperação Sul-Sul, em especial as relações América Latina-China. A hipótese trabalhada é que a cooperação com a China tem uma importância crucial para o desenvolvimento político-econômico de países latino-americanos. Para tanto, o trabalho analisa a América Latina e suas relações com os Estados Unidos, marcadas precipuamente pela ingerência estadunidense em assuntos internos, o subdesenvolvimento e o papel periférico da América Latina em decorrência desse imperialismo e como, após o período da Guerra Fria, o multilateralismo e a cooperação com a China auxilia o processo de desenvolvimento da Região. A metodologia utilizada é de cunho exploratório e o método foi a teoria pós-estruturalista e a teoria tianxia, ou diplomacia pacífica da China. O trabalho mostra que, em que pese autores defenderem o multilateralismo e as relações América Latina-China como uma nova faceta do imperialismo que impede o desenvolvimento da região, as relações com a China mostram-se importantes para o desenvolvimento político-econômico dos países latino-americanos e sua inserção no cenário internacional.
The present paper aims to analyze the current political scene in Latin America and how multilateralism and South-South Cooperation, especially regarding Latin America-China relations. The hypothesis is that political cooperation with China has a crucial importance for the political-economic development of Latin American countries. Hence, the work initially analyzes Latin America and its relations with the United States, marked mainly by the USA interference in internal subjects and the underdevelopment and peripheral role of Latin America as a result of this imperialism and how, after the Cold War, multilateralism and cooperation with China has supported the Region’s development process.
The methodology used is exploratory and the method was the post-structuralist theory and the tianxia theory, or Chinese peaceful diplomacy. The work shows that, despite authors defending multilateralism and Latin America-China relations as a new facet of imperialism that blocks the development of the region, relations with China are important to the political-economic development of Latin countries and to Latin American and its role in the international political scene.
- Cooperação Sul-Sul;
- América Latina;
- China;
- Desenvolvimento regional.
- South-South Cooperation;
- Latin America;
- China;
- Regional development.
Introdução
Debates acerca de rivalidades entre superpotências, ideologias e disputas de classe, que eram tão prementes no contexto da Guerra Fria, parecem ter deslocado-se para outro local no que tange aos debates da Ciência Política. No entanto, questões sobre ecologia, tecnologia, o papel de países do Terceiro Mundo (aqui denominados “Sul”) e novas formas de cooperação adquirem cada vez mais importância na agenda da Ciência Política.
Diante desse cenário, esse artigo busca realizar uma análise de cunho exploratório, com método de sistematização bibliográfica sobre a mudança de paradigma ocorrido no desenvolvimento da América Latina a partir do período pós II Guerra Mundial até as novas formas de cooperação Sul-Sul.
Partindo da hipótese que as relações da China com a América Latina são pautadas pela cooperação coordenada, diferente das relações de dependência Estados Unidos e América Latina, a primeira parte desse trabalho descreve o cenário onde, inicialmente, percebe-se um forte desenvolvimento atrelado à ingerência dos Estados Unidos em assuntos domésticos, onde o presente artigo faz uma breve digressão sobre as características dessa relação “Norte-Sul”.
No pós-Guerra Fria, vê-se o fim da polarização Estados Unidos-União Soviética, marcada pela queda do muro de Berlim e o surgimento de outros atores tentando exercer o poder na condução da política internacional, buscando novos arranjos para cooperação político-econômica.
Assim, o trabalho também analisa a cooperação Sul-Sul, com um foco detido no caso da cooperação China-América Latina, onde os critérios de cooperação não são estabelecidos pela dominação ou exercício do poder, mas baseados no desenvolvimentismo econômico mútuo.
Para tanto, a teoria-base utilizada foi a de Diplomacia Pacífica da China, portanto há uma análise mais detida sobre as mudanças da política chinesa que possibilitaram o surgimento dessa teoria e como ela influenciou as relações com a América Latina.
O presente trabalho justifica-se pela necessidade de se compreender as dinâmicas da política e as novas formas de atuação na sociedade internacional, onde a competição e ingerência são substituídas pela cooperação, a fim de possibilitar novas formas de se fazer e de se pensar a política de cooperação Sul-Sul e seus impactos para a América Latina.
América Latina e Estados Unidos: desenvolvimento e dependência
Para entender as dinâmicas geopolíticas da América Latina e como sua relação com os Estados Unidos influenciaram nesses processos, é necessário analisar alguns fenômenos do século XIX. Segundo Kuhn et Arévalo (2002), os Estados Unidos sempre tiveram uma relação conflituosa com países americanos abaixo do México. Os autores relatam que a primeira tentativa de estabelecer contato com a América Ibérica foi através da Doutrina Monroe (1823), onde o presidente John Monroe reivindicou para seu país a “posse” do Hemisfério Ocidental. Voltaire Schilling em sua obra Estados Unidos e América Latina: da Doutrina Monroe à ALCA (2002) dispunha:
1 - O continente americano não pode ser objeto de uma recolonização; 2 - É inadmissível a intervenção de qualquer país europeu nos negócios internos ou externos de países americanos; 3 - Os Estados Unidos, em troca, se absterão de intervir nos negócios pertinentes aos países europeus;
Nesse sentido, Washington passa a apoiar movimentos de independência na América Ibérica, com o intuito de atrair outras Repúblicas para seu entorno. A doutrina Monroe tinha como objetivo precípuo a proteção dos Estados Unidos, então um país periférico. No entanto, os Estados Unidos nunca viram os latino-americanos de maneira positiva (Kuhn et Arévalo, 2002). Eram considerados subdesenvolvidos, necessários de intervenções culturais, religiosas, políticas, culturais, etc. Esse pensamento refletiu-se na ideologia do Destino Manifesto, onde os americanos deveriam expandir seu território para além das 13 colônias.
Luís Ayerbe (2002) fala que, ao longo do desenvolvimento industrial do século XIX, a América Latina iria destacar-se no comércio internacional como fornecedora de bens primários (commodities), para posteriormente tornar-se um grande consumidor de produtos industrializados e tomadores e de capitais de empréstimos, pois os Estados que teriam passado pelo processo de independência há relativamente pouco tempo, precisariam de financiamento para obras de grande porte e infraestrutura urbana. Esse fenômeno geraria uma série de problemas internos: produção local para o consumo interno, crises de abastecimento de produtos básicos e controle do capital estrangeiro em vários setores econômicos.
Na mesma seara, Machado (1999) afirma que na América Latina a dependência - precipuamente dos Estados Unidos - antecede o subdesenvolvimento. Assim, no século XX a condição imperialista dos Estados Unidos consolida-se.
No período pós II Guerra Mundial, as economias latino-americanas estavam totalmente ligadas aos Estados Unidos. O período subsequente à II Guerra Mundial, a Guerra Fria, trazia consigo a “ameaça comunista”, onde os Estados Unidos temiam a influência da ideologia comunista ganhasse espaço e projeção política nos países da América-latina, porquanto suas economias subdesenvolvidas e posição internacional periférica possibilitava esse cenário, ainda que as economias estivessem intrinsecamente ligadas aos Estados Unidos (Kuhn et Arévalo, 2002).
A ameaça comunista fez a América Latina tornar-se novamente causa de preocupação para a segurança estadunidense, porquanto havia uma preocupação constante com posturas nacionalistas de governos e movimentos sociais (Ayerbe, 2002). Os Estados Unidos viam no nacionalismo um problema para a economia liberal e, consequentemente, o mercado internacional.
Desse modo, a luta contra o comunismo era interna e externa, onde os Estados Unidos apoiaram vários golpes militares e interviram diretamente na condução da política interna desses governos, sob o pretexto de conter o “avanço vermelho” no hemisfério (Kuhn et Arévalo, 2002).
Essa política imperialista de ingerência em países latino-americanos marca a Pax Americana e o período da Guerra Fria. A economia latino-americana, desse modo, não consegue desenvolver-se a ponto de trazer igualdade social e projetar internacionalmente os países da América Latina. Esse cenário mudaria com a cooperação regional e cooperação Sul-sul, onde a China teria um papel de suma importância nas relações entre países emergentes.
A América Latina na cooperação Sul-Sul e a Nova China
Com a Revolução Chinesa de 1949, Mao Zedong reafirma o papel da China no Conselho de Segurança das Nações Unidas com a “Nova China” e reafirma seu papel na nova ordem econômica e internacional. É importante ressaltar que o termo cunhado como “Novíssima China” e o papel de destaque no desenvolvimento econômico do Sul Global vai além da diplomacia de influência. Estados Unidos, seja dela mesma. A China move-se em meio à fluidez diplomática pós-Guerra Fria e o envelhecimento do capitalismo contemporâneo (Visentini, 2011).
Após as principais guerras do século XX, a geopolítica asiática sofreu uma série de novas realidades: Taiwan, Japão e Coreia do Sul foram integrados à influência americana com o bloco econômico Tigres Asiáticos, enquanto o território central da Ásia fazia parte do espaço socialista e o sul do continente adotava uma posição predominantemente neutra.
A partir dos anos 70, houve uma reaproximação da China com os Estados Unidos em uma aliança antissoviética, o que possibilitou um assento da China como membro permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas (1971), representando o fim do isolamento diplomático. Internamente, o maoísmo como luta de classes foi tornando-se obsoleto, um grupo reformista ampliou seu poder, de modo que no final dos anos 1970 a ascensão de Deng Xiaoping culminou nas reformas econômicas e na abertura externa e novos padrões de desenvolvimento.
É importante ressaltar a Política das 4 Modernizações desenvolvidas no período: reformas internas de descoletivização gradual da agricultura, introdução de economia mercantil dentro de uma estrutura socialista, criação de áreas específicas para capital e tecnologias estrangeiras e instalação de empresas transnacionais (Visentini, 2011). Essas políticas buscavam a autonomia e independência da China em relação à URSS. De fato, a aliança com Moscou representava entraves para os planos chineses de ser uma potência em âmbito internacional, politicamente respeitada e economicamente desenvolvida. Dessa forma, China assumia uma economia socialista de mercado, caracterizada pela descentralização do planejamento e na centralização de mercado (Medeiros, 1999).
Carmem Mendes (2010) afirma que Pequim, buscando pragmatismo e uma atuação mais assertiva para garantir a estabilidade política e o desenvolvimento econômico, a política exterior chinesa busca transmitir uma imagem de “desenvolvimento pacífico” ou “ascensão pacífica” - sem abandonar o nacionalismo defensivo - e princípios de não-ingerência em assuntos internos de demais estados. Assim, posicionando-se como parceiro e não como um ator que determina as regras do jogo político-econômico, a China torna-se uma alternativa à agenda das potências ocidentais (Mendes, 2010). Conforme salienta Carmem Mendes (2010):
O relatório «Modernização da China 2008» sublinha que a RPC (República popular da China) só deve investir em relações com países que tenham alguma das seguintes características: «ser inovador, ter muitos recursos, ter uma grande população, ter cultura, ser amigável, ou estar nos arredores da China». Os recursos naturais e a população do «Sul» são, assim, factores explicativos da consolidação progressiva da presença chinesa na África e na América Latina.
A cooperação chinesa com países africanos e latino-americanos, para além dos aspectos econômicos - segurança energética, disponibilidade de matéria-prima, além de possibilidade de distribuição do excesso de mão-de-obra, evitando assim crises econômicas advindas do desemprego - a cooperação da China também reveste-se de um aspecto político: a maioria dos países que advogam a favor da “China única” e de Taiwan como território chinês são africanos e latino-americanos. Além disso, a crescente cooperação entre essas duas regiões permite aumentar o número de aliados da China em fóruns internacionais, notadamente a ONU (Mendes, 2010).
É importante frisar os mecanismos utilizados pela China para assegurar sua presença no Hemisfério Sul. Enquanto a cooperação Sul-Sul é marcada pelo soft power, ou poder brando, que é a capacidade de um Estado tem de exercer influência indiretamente sob outros entes políticos, geralmente por meios culturais ou ideológicos; em oposição ao hard power, onde um Estado exerce influência por meio do emprego de recursos militares ou econômicos, exercido pelas superpotências à época da Guerra Fria, a China vem manifestando em sua política externa um soft power diferente da concepção tradicional - o poder de atração que uma nação exercia através de seus valores, normas e ideais. O caráter excepcional do soft power chinês é baseado na esfera securitária, como a ajuda humanitária, a cultura, a diplomacia bilateral e multilateral e o Investimento Direto Estrangeiro (IDE), aliando a dimensão cultural e civilizacional à econômica, conforme assevera Carmem Mendes (2010).
O soft power e a atração econômica fizeram com que os estudiosos desenvolvessem uma nova teoria para as Relações Internacionais utilizada na práxis da política externa chinesa: a Teoria de Tianxia, ou Diplomacia pacífica, cujos principais preceitos são, conforme Carmem Mendes (2010), o “respeito mútuo pela soberania e integridade territorial, não-agressão mútua, não-ingerência nos assuntos internos dos outros estados, igualdade, e benefício mútuo (relações win-win)”.
Assim, têm-se relações mutuamente benéficas, onde a China procura diversificar suas importações energéticas e os países também buscam diversificar os destinos de suas exportações (MENDES, 2010). Além disso, a política de não-ingerência da China também caracteriza-se por uma política de desenvolvimento incondicional. O impacto desse auxílio “com características chinesas” é denominado “Consenso de Pequim”, com uma visão antagônica ao Consenso de Washington.
A maior crítica consiste em afirmar que o Consenso de Pequim obteve boa recepção na América Latina e na África devido à postura dos Estados Unidos de querer determinar o que é bom para as regiões, impondo de cima para baixo o que os Estados Unidos entendem como boas práticas de Governança, em detrimento da independência, soberania e igualdade do mundo em desenvolvimento.
A América Latina e seu desenvolvimento: o papel da cooperação com a China
A política interna e externa da China constituem um único fenômeno político. Assim, ao analisar a política de cooperação com a América Latina é necessário ter em mente que os assuntos internos direcionaram as relações entre as duas regiões. Também é necessário frisar que a América Latina, em que pese as diferenças econômicas, sociais e culturais, tem tentado ao longo do tempo firmar-se como um bloco integrado, em busca do desenvolvimento sócio-político e econômico, mesmo em períodos onde esse ideal pareceu estar abandonado por alguns países constituintes da América Latina. Assim, por mais que se verifique a busca de relações bilaterais, algumas iniciativas chinesas eram endereçadas ao bloco latino-americano como um todo (Pedrozo, 2016).
No que tange à política externa chinesa, desde a década de 50 a China busca manter relações com países latino-americanos. Cuba foi o primeiro país a estabelecer relações diplomáticas com o país asiático (1960). Nos anos 70, houve um grande avanço no estreitamento das relações.
A América Latina tem conseguido o apoio político da China em questões sensíveis à região para defender seus próprios interesses, como “direitos marítimos; estabelecimento da zona desnuclearizada; carta de direitos e deveres econômicos; reivindicação pela modificação da velha ordem econômica internacional; busca de solução de dívida externa sem prejuízo ao desenvolvimento; solução pacífica de conflitos regionais mediante negociações sem interferência alheia, etc” (Duquing, 2003).
Segundo Pedrozo (2016), a forma de institucionalização mais bem acabada entre China e países da América Latina e Caribe deu-se no âmbito da CELAC (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos), onde não houve interferência dos Estados Unidos ou do Canadá. Em 2014, celebrou-se, na declaração especial da II Cúpula da CELAC, em Havana, o fórum CELAC-China, responsável por outros encontros que visavam à cooperação entre os países, que resultou em grandes aportes financeiros da China para a América Latina e o Caribe, destinados à tecnologia e infraestrutura para o desenvolvimento da região. Pedrozo (2016) afirma ainda que é difícil distinguir o que seria caracterizado como investimento e o que seria ajuda aos países.
A América Latina e a inserção internacional político-econômica
Durante os últimos quinze anos pode-se perceber que a América Latina consolidou-se no cenário internacional, mesmo em meio a crises político-econômicas e recessões nas economias mais industrializadas e o auge do desenvolvimento dos países do Sul (Bodemer, 2020).
Esse fenômeno está associado à mudança de paradigma chamado “Consenso de Commodities”, como uma alternativa ao Consenso de Washington, e baseado na exploração de bens primários. Como dito anteriormente, a grande contribuição da China deuse no âmbito do investimento em projetos de mineração e energia elétrica, além do capital agrário.
Assim, conforme assinala Bodemer (2020), a capacidade de crescimento da América Latina está diretamente associada a uma restrição externa derivada das limitações para financiar essa inversão econômica e crises generalizada de pagamentos, dada a própria natureza do desenvolvimento latino-americano atrelado à exportação de commodities. A participação latino-americana nas exportações de bens e serviços segue estagnada e há uma redução na exportação de tecnologias e serviços a ela atrelados. Tem-se o cenário onde, apesar das conquistas no mercado tecnológico, a América Latina ainda não é capaz de diferenciar-se nesse mercado altamente competitivo.
Outro fator importante de se ressaltar é que a integração regional, tanto os regimes tradicionais - Mercosul, ALBA, Comunidade Andina - como o regionalismo autônomo latino-americano - CELAC, UNASUL - estão em plena crise. Some-se ao fato que os governos de direita e centro-direita tendem a priorizar relações bilaterais em detrimento da integração regional (Bodemer, 2020).
Levando esses fatores em consideração, o cenário atual é de que uma cooperação Sul-Sul e uma política de integração regional da América Latina enquanto bloco político-econômico acaba parecendo cada vez mais distante. No entanto, fóruns como China-CELAC acabam tentando mitigar essa política bilateral e fomentar o multilateralismo e a cooperação Sul-Sul (Bodemer, 2020).
Ressalte-se que, para além de todas as condições limitantes da região da América Latina e Caribe para o desenvolvimento e integração regional, esse cenário foi sobremaneira intensificado com a crise gerada pela pandemia da COVID-19, onde os desdobramentos foram além de questões de saúde pública, tendo reflexos na economia mas também em críticas sobre a forma que os governos lidavam com a pandemia e sua consequente crise político-institucional.
Souza Porto (2021) utiliza-se desse cenário para retomar a discussão sobre a importância da China para o desenvolvimento da América Latina e Caribe, citando como exemplo paradigmático a Iniciativa do Cinturão e Rota (Road and Belt Initiative), “no sentido de aumentar a resiliência e capacidade da América Latina nos diversos setores afetados pela crise, reforçar cadeias de valor regionais existentes e atrair Investimento Estrangeiro Direto.” O autor disserta ainda que, apesar de as iniciativas da política externa chinesa para a região, a participação na Iniciativa do Cinturão e Rota é recente.
Ressalte-se que muitos países estão se beneficiando dessa iniciativa, porquanto os níveis de comércio entre as regiões aumentaram, além de nações não-formalmente integrantes da Iniciativa - Argentina, Brasil, México e Colômbia - também beneficiaram-se de investimentos chineses significativos (Souza Porto, 2021).
Souza Porto (2021) também afirma que a China exerceu grande influência na região da América Latina durante a gestão da pandemia, seja prestando assistência direta a países, como foi o caso da Costa Rica, Panamá, Argentina, Chile e Cuba, seja através da “diplomacia da vacina”, onde houve o intercâmbio de especialistas chineses e latino-americanos em várias frentes de batalha à pandemia.
No entanto, Souza Porto (2021) defende a ideia que a China defende a estabilidade construída ao redor do “Consenso de Pequim”, incorporando parceiros da periferia para o desenvolvimento centralizado da China para criar laços de dependência com a região, onde a China conquista vários mercados para seus produtos de alto valor agregado de tecnologia de ponta enquanto os países da América Latina dependeriam do comércio de commodities.
Essa visão não é compartilhada por Bodemer (2020), que afirmava ser justamente a cooperação da China com a América Latina a saída para a “armadilha do desenvolvimento”. Segundo o autor, ainda que pese características de protecionismo econômico e um novo panorama geopolítico onde inevitavelmente a China exercerá grande poder e influência, a América Latina pode ocupar um lugar de destaque nesse novo rearranjo político e desenvolvimento econômico. Para isso, é necessário pensar novas formas de integração regional e de posicionamento perante a triangulação com Estados Unidos e China.
Ainda nesse sentido, o autor menciona pontos importantes de desenvolvimento para a inserção internacional da América Latina: investir em mais educação, desenvolvimento tecnológico e inovação. Sustenta-se o argumento que, apesar da fragmentação regional e do entendimento que Declarações conjuntas da CELAC têm mais uma característica de desejo político de unificação do que de planos de ação, foi mostrado anteriormente como a América Latina vem se beneficiando da cooperação com a China e sua diplomacia pacífica sem ingerência em assuntos internos e possibilita investimentos nas áreas prementes ao desenvolvimento e inserção internacional da América Latina.
Considerações finais
O presente trabalho buscou analisar como os países da América Latina desenvolveram-se e atuaram no cenário político internacional e sua atual configuração. Para tanto, realizou-se uma breve análise sobre como a América Latina, após a independência de seus países membros das potências colonizadoras, perpetuaram a economia política de importar bens primários e commodities e exportar serviços e o impacto dessa política econômica nos séculos XIX e XX, com a América “abaixo do México” subdesenvolvida e ligada ao imperialismo e ingerência dos Estados Unidos na direção da política interna desses países.
Logo após essa análise, o trabalho discorreu acerca da nova configuração pós-Guerra Fria e consequente fim do sistema bilateral de grandes potências e o surgimento do multilateralismo. A pergunta norteadora da referida seção era tentar saber em que medida a integração regional e a cooperação Sul-Sul, em especial a parceria político-econômica com a China e sua diplomacia pacífica de não interferência iria manifestar-se nos países latino-americanos.
Apresentamos a tese que as relações América Latina-China seriam um novo tipo de imperialismo, onde os países latino americanos estariam limitados a exportar commodities e basear suas economias no agronegócio e importar serviços tecnológicos e de inovação da China.
Não concordamos com a tese apresentada e demonstramos como a diplomacia pacífica chinesa, para além de respeitar a autonomia da região, ao realizar acordos bilaterais e multilaterais de comércio e investimentos de capital e de tecnologia - notadamente na “diplomacia da vacina” - contribui para desenvolvimento econômico da América Latina e Caribe e autonomia política e destaque no cenário internacional.
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- » Recebido: 10/03/2022
- » Aceito: 02/08/2022
- » : 23/12/2024» : 2023Jan-Jun